Passei a gravidez toda de molho na cama, porque tive ameaça de aborto e, depois, de parto prematuro. E passei a noite de 2 de setembro de 97 no vaso, fazendo fotossíntese... Era o que parecia, porque a toda hora eu expelia (ô verbinho feio!) um líquido verde, que nem clorofila mesmo. De 5 em 5 minutos minha barriga se retorcia, endurecia e eu nem me intimidava, gritava de verdade.
Assim que amanheceu, confirmamos que havia algo errado: eu conseguia enxergar minhas próprias bochechas, de tão inchadas, e meus pezinhos de elefante nem entravam nos chinelos! Ligamos para o obstetra, que mandou a gente ir pra lá na mesma hora, que ele ia abrir o consultório. Lembro-me da dificuldade que foi pra descer as escadas e andar até o carro, o corpo, desgovernado, não obedecia, eu parecia uma mistura de siri com pata, andando de lado, em câmera lenta.
Chegando lá, minha pressão estava 17 x 10 e o coraçãozinho da Talita disparado, 170 por minuto, então ele decidiu fazer a cesárea naquele dia mesmo, com 36 semanas. Parece incrível, mas a minha maior preocupação naquele momento foi “mas esse dia é muito feio, só tem 1 algarismo, eu queria que ela nascesse na primavera...” Como a previsão dos 9 meses era para outubro, eu tinha ficado cismada com a primavera, hehehe! E o obstetra, uma pessoa fantástica, muito espiritualizada, me consolou assim “Filha, a partir de hoje, o dia 2 de setembro vai ser o dia mais lindo da sua vida!” Ele me passou tanta segurança, que eu nem me preocupei e achei um exagero que o Mô e minha mãe ficassem tão desesperados. É que eles já sabiam que era pré-eclâmpsia, eu só soube depois do parto.
Foi só passar em casa, pegar as malas e voarmos pra maternidade, levados pelo meu irmão. Meu pai despencou de Araruama, minha sogra disparou a chorar e eu a tremer, vendo aquele show todo, de gente espetaculosa. Aliás, tremer foi o que eu fiz de melhor, meus dentes batiam tanto que ficaram doloridos dias seguidos! Mal consegui vestir aquela roupa verde fashion. Chorei muito vendo a minha mãe ficando pra trás enquanto eu me afastava naquela maca barulhenta. Na hora H gritei bastante também, chorei, berrei que estavam me sacudindo, me chacoalhando, que parecia que estavam sovando massa de pão, kkkkk!!!! (Vocês não tiveram essa impressão não?!) Ah, e o Mô ficou o tempo todo me fazendo cafuné!!! Imaginem se não tivesse ficado, o estrago que eu teria feito nas orelhas dos médicos...
Depois que a pressão subiu mais um pouco, conseguiram finalmente livrar a Talita daquela batedeira, botaram aquela minusculeza de neném em cima de mim, apertei o narizinho dela e me apagaram. Quando acordei, no quarto, tinha um povaréu danado lá, uma barulhada absurda, e eu, zonza com a anestesia, ficava pedindo pra pararem com aquela gritaria, mas NINGUÉM me dava atenção! (O Mô diz que tudo foi coisa da minha cabeça, alucinação de anestesia, que não teve nadica daquilo, mas teve sim, acho que ele só quer é defender a família dele, hehehe!)
No dia seguinte, acordei com uma coceira inacreditável no couro cabeludo, nos braços e nas pernas, reação à anestesia. Cheíssima de puns, o quarto entupido de visitas, nem podia me aliviar... Não tinha posição pra sentar, nem deitar, a enfermeira me arrancou da cama pra tomar banho, espremeu o bico do meu peito como se fosse um furúnculo “pro leite chegar” e eu desejei dar um soco nela, vejam como fui molestada! Mais tarde eu já passeava de braço dado com o Mô pelo corredor, com uma pantufa enooorme, onde meus pés paquidérmicos entravam.
O Tariq, 4 anos depois, enrolou o pescoço no cordão umbilical, já estava muito crescidinho para “apenas” 36 semanas e passou a dar cabeçadas naquele osso lá de baixo. Tudo isso em 3 dias!! Por estes fortes motivos, somados ao fato de eu ser diabética, ter 38 aos e um “útero no mioma”, ele, que nem a irmã, também teve de ser içado mais cedo. A cesárea foi marcada para dia 3 de janeiro, sob protestos de que “ele não poderia comemorar o aniversário na escola, com os amiguinhos, e toda a família estaria viajando, não dá pra esperar o ano letivo começar?”. Mais uma vez fui ignorada pelo obstetra, e lá fomos nós de novo...
Desta vez não tive problemas com a pressão, só com a glicose, que disparou nas últimas semanas de gravidez. O remedinho da diabetes é teratogênico, isto é, dá má formação fetal, por isso não pude tomá-lo, tive de entrar na insulina, que não resolveu muito. Minha endocrinologista passou o parto me espetando os dedos, pra medir o açúcar. E meu fiel escudeiro, Mô, estava lá, narrando os fatos por trás daquele lençol que tapa a cena toda, e me lembrando pra parar de falar, por causa dos puns ( mas não adiantou, foi tudo igual ). Tinha um anestesista muito grosso, burrão mesmo, que me dava foras todo o tempo. O Tariq nasceu meio azulzinho, custou a chorar e o Apgar deu baixo, não lembro o número, mas tem escrito nalgum lugar dessa casa. Aliás, meu filho nasceu azul e depois camaleou-se em vermelho, teve icterícia. Para evitar que eu voltasse pra casa sem ele, meu médico maravilhoso inventou lá uma ziquizira que me deixasse no hospital por mais 2 dias com meu neném!!!
Esse obstetra me disse uma coisa que eu nunca mais esqueci: “Vocês ficam é com a memória fraca depois de parirem o 1º filho, ou não teriam o segundo!” Como é bom poder rir dessas coisas todas, agora que elas estão longe! Escrever sobre elas é uma catarse! Poder saborear o que ficou de bom, de terno, lembrar a sensação de alívio ao tocar meus filhotes após duas gestações complicadas, sob constantes ameaças de perdas, e olhar pra eles aqui do meu lado, me vendo reconstruir essa parte da história deles... só quem é mãe pode aquilatar.
(Else Portilho, mãe doidinha da Talita e do Tariq)