Disseram-me,
certa vez, que quando a criança completa 1 ano de idade, é o momento ideal para saber qual será sua
futura profissão. Para isso, em frente da criança sentada, deverão ser
colocados vários objetos que representam funções ou profissões. Aquilo que ela
escolher para brincar naquele momento representará seu futuro como
profissional.
Quem
sou eu para questionar uma afirmação de cunho popular? Tantos exemplos mostram que a sabedoria antiga superou fundamentos
científicos com suas teorias efêmeras. Além disso, a curiosidade sempre está presente
no atento olhar das mamães. Não custa nada fazer o teste...
Movida
pela ideia da previsão, rodeei os meus pequeninos com canetas, papéis,
brinquedos e objetos diversos para ver
como reagiriam diante deles. As crianças, geralmente, sentem-se atraídas pelo
perigo. Que mal pode haver em um objeto
fino, leve e pontiagudo? Uma caneta escreve cartas, traçam planos, desenha,
informa, relata, descreve, opina, mas também fura, cutuca, prende, machuca...
Continuei
na estaca zero, já que QUASE todas as profissões utilizam a caneta em algum
momento. A primeira tentativa de preceder o futuro dos meus filhos deixou-me
sem resposta definida. Porém, abriu espaço para outra dúvida: e se essa escolha
fosse apenas uma pista para mostrar que eles seriam pessoas apaixonadas pela
expressão verbal escrita? Só o tempo me traria essa resposta um dia. Só me
restava arquivar tal experiência e botar um ponto final nessa ansiedade antes
que ela me escravizasse.
Três
anos depois, um fato traz à tona minha curiosidade: Danilo encontra o relógio
de pulso do pai e o observa atentamente. Fica intrigado com os movimentos dos ponteiros e com o barulhinho que
ouve lá dentro. Abre, então, a caixa de ferramentas do pai, retira o martelo e
o utiliza para quebrar o vidro do relógio. Quando ouvi as pancadas provindas lá
do quarto, corri e me deparei com a cena. No primeiro momento, minha reação foi
de surpresa e indignação e, sem hesitar,
questionei sua atitude e falei que não era certo estragar as coisas do pai. Ele me respondeu que fez aquilo porque
queria ver como funcionava por dentro. Fiquei emocionada e sem palavras.
Abracei o meu (talvez) futuro engenheiro.
As
folhas dos anos mudavam de páginas de forma rápida e silenciosa...
Danilo
antes de aprender a ler e escrever, gostava de desenhar e fazia isso muito bem.
Seria um futuro desenhista, projetista, arquiteto, artista plástico? Também era
dotado de talentos musicais: desde pequeno tinha muita habilidade em lidar com
os brinquedos que reproduziam sons: pianinhos, violões, flautas; na
adolescência continuava apaixonado pelos instrumentos musicais. Ganhou,
então, um violão da avó paterna e
ingressou no curso para aperfeiçoamento. Depois, junto a outros amigos com
gostos afins, formou um grupo de rock no qual ele era o guitarrista.
Concomitante a esse gosto artístico, ele interessou-se também por artes
marciais e estudou Kung Fu durante alguns anos, chegando à faixa preta. Com competências
distintas: na arte, na música e na luta
marcial, ficava difícil antecipar que caminho ele seguiria para definir o seu
amanhã. Mas, pelo jeito, ele estava
apenas exercitando alguns dos seus domínios, visto que, no Ensino Médio, optou pela eletrônica e seguiu uma linha paralela
na faculdade: cursou engenharia elétrica e formou-se em 2010. Penso que agora o
meu querido e dedicado engenheiro já deve ter descoberto como funciona o
mecanismo interno de um relógio de pulso.
A Pequena
Notável ou Grande Miúda, denominações que costumo definir a Patrícia, é dotada
de uma sensibilidade aguçada e características peculiares que vão além do meu
entendimento. Desde pequena demonstrou que era determinada e tinha personalidade
marcante. Aprendeu a falar antes de
completar um ano e adorava dialogar com outras pessoas, principalmente com os
idosos. Quando eu percebia que ela não estava dentro de casa, sabia exatamente
onde encontrá-la: na casa dos avós
paternos conversando com eles e com uma outra senhora que morava junto (D. Cinira) ou com outros idosos que moravam vizinhos. Uma menina com ideias
maduras encantam as pessoas. Tinha argumento para tudo e sabia defendê-los
com maestria impecável. Cheguei a pensar
que seria uma advogada por gostar tanto de argumentar e defender o que
considerava correto. Mas essa propriedade de escutar, compreender e de ajudar o
outro com palavras não se limita a área do Direito, vai mais além. Um dia,
quando questionada sobre sua profissão futura, ela afirmou que queria ser
psicóloga. De certa forma, isso
justificava sua destreza com as palavras e a interação com as pessoas.
Na
escola, as redações continham ideias maduras e bem fundamentadas e isso causava
um transtorno em sala de aula porque a professora se recusava a dar nota, alegando que seria impossível uma criança de 8
a 10 anos possuir uma visão crítica naquele nível. Consciente de sua capacidade
de expressão, minha pequena criança resolveu sozinha esse dilema: pediu que a
professora selecionasse qualquer tema para uma produção textual que seria feita
naquele momento e em sua frente e, assim, pôde provar do que era capaz. Desafios
nunca assustaram essa menina corajosa com talentos especialmente voltados para
a área de humanas.
Em casa, sempre antenada: Patrícia
acompanhava as minhas correções de provas ou redações dos meus alunos e, de
acordo com as respectivas notas, disfarçadamente, ela desenhava carinhas sérias, felizes ou
tristes nas folhas deles. Isso causava reações adversas em sala de aula e eu
tinha que me justificar perante eles. Eu teria em casa uma futura professora? Quem sabe...
Ela
cursou Ensino Médio tradicional e, ao mesmo tempo, fez curso técnico voltado
para a área de edificações. Desenvolveu, a partir daí, um gosto pela arquitetura
e urbanismo. Apaixonou-se, também, por projetos sociais ou associados ao meio
ambiente e ecologia. Saiu de casa e foi fazer faculdade pública em outra cidade
a quilômetros de distância durante cinco anos. Voltou formada a minha geógrafa.
No início da carreira, chegou a lecionar durante um ano e meio, pois seu curso
a habilitava tanto para a licenciatura quanto ao bacharelado. Na primeira
oportunidade de exercer a segunda opção, ela não hesitou e largou as aulas para
atuar como geógrafa em empresas. Foi convidada a trabalhar em outro estado
(Pará) exercendo seus conhecimentos no estudo do ambiente para a construção de
uma nova hidrelétrica no rio Xingu, em Altamira. Embora eu tenha ficado
extremamente preocupada com essa viagem longa e a estadia durante vários meses,
eu acatei a decisão dela e dei o apoio necessário. Quando terminou o trabalho
lá, foi transferida para São Paulo e voltou a ficar perto de mim, o que me
retomou o fôlego.
Reconheço
que aquela caneta, que fora o objeto
escolhido pelos meus dois filhos, não deixou de ser uma referência às suas
formações profissionais: hoje, enquanto ele assina documentos, fecha contratos e traça projetos para serem desenvolvidos; ela
esquematiza mapas, estuda as condições e possibilidades ligadas à terra e, nas horas vagas, discorre suas ideias em verso ou prosa através da legítima veia
poética que possui naturalmente...
(Zizi
Cassemiro - mãe do engenheiro Danilo e
da geógrafa Patrícia; avó do Gabriel e do Johnny)