domingo, 10 de julho de 2011

Começar de novo...


Assim eu me vejo naquela época: voltando pros filhos e largando-os pra trabalhar...

Durou exatamente 7 dias a  minha   pouca  sanidade mental, quando voltei  à rotina de trabalho.  Ainda coincidiu com a posse na outra matrícula do município, então eu ia passar muito mais tempo fora de casa. Não tive direito à licença amamentação porque com apenas 1 mês de vida a Talitinha viu o leitinho dela ir e não voltar mais, desapareceu, escafedeu-se mesmo. Numa 4ª feira tiive um faniquito de cansaço, tristeza e saco-cheio enquanto tentava prender no cinto do fusca o moisés  (aquele cestinho guardador de bebês) com a Talitinha dentro . Sacolas e livros se espalharam pelo chão, ela chorava, fazia um calorão danado de  março e ninguém aparecia no estacionamento pra me ajudar! É que todo dia eu tinha de levar a Tatá pra casa da minha mãe antes de ir pras escolas, carregada de tralhas. E a bichinha ia suando dentro daquele moisés, porque ainda era muito pequenininha pra ficar numa cadeirinha.

Naquele dia eu girei nos calcanhares,  liguei pra escola particular e disse que minha filha estava de piriri. Passei o dia soluçando, péssima, chorei tanto que fiquei ainda mais cansada.  Aquela correria, leva Talita, pega Talita, almoça, toma banho, volta pra casa, dá aula, corrige coisa, prepara coisa, dorme tarde, discute em casa, falta dinheiro (na época estávamos muito apertados), mal  havia começado e já estava acabando comigo. O Mô saía cedo com o táxi e não passava pelo ritual todo, mas quando à noite encontrava a casa toda revirada e eu uma pilha, nervosa e  esgotada, fazia bem idéia do que havia sido.

Tempo pras brincadeirinhas tão gostosas de bebê não tinha, só impaciência com as enjoeirinhas normais da fase. As minhas aulas ficaram uma titica de chatas,  ainda havia uma obra na nossa área de serviço e, pra piorar, eu estava longe do papagaio que eu amava, a Cota, minha companhia fiel, amorosa e divertida, desde minha adolescência. Devido à obra,  foi pra casa da minha sogra passar uns tempos. Ela chegou a picotar um dedinho da Tatá, mas isso fica pra depois.

Minha mãe dava um super apoio, claro, ficava com a Talitinha, mas o caos caseiro só foi diminuído com uma ajudante 2 vezes por semana. E aos poucos fomos ajeitando nossas órbitas ao redor do nosso solzinho, aquele bebezinho que eu tantas vezes, histérica, tonta de sono, apertava no berço, exigindo “Doooorme, criatura!”, e que se levantava, com uma linda risadinha, curtindo a “brincadeira”. Só que não era brincadeira nada, eu queria mesmo é que ela apagasse de vez pra eu descansar! Tempos depois, já de volta ao equilíbrio, percebi, mortificada, o risco que a Tatá correu, de ser sacudida, travesseirada ou algo pior, porque naqueles momentos eu tinha vontade era de largar ela lá, sozinha, berrando se fosse o caso, mas de preferência bem caladinha, pra eu descansar...  Ainda bem que o anjo protetor dela não arredava a asa e ficava me cutucando pra eu parar com aqueles ataques de egoísmo, porque  ai ai ai, se não fosse ele... eu não estaria aqui contando tudo isso.

Se teve alguma serventia, foi para que eu nunca mais julgasse as pessoas que tomam atitudes macabras, terríveis, em relação a seus filhos. Só quem passou mesmo por isso tem o direito de sequer cogitar o que é, a cegueira que dá na hora da raiva, do desespero.  Eu ficava fora de mim! Tem até um provérbio, não lembro direito mas agora não posso parar pra procurar, algo sobre “andar com as sandálias do outro”, que Jesus disse.

Agora é a vez do Tariq. Quando ele estava com  9 meses e a Talita 5 anos, voltei pras escolas. No colégio particular havia uma novidade: minhas turmas de Inglês no Ensino Médio haviam sido gentilmente doadas a outra pessoa, segundo o coordenador, para o meu bem-estar, já que eu estaria cansada e sobrecarregada, claro!  Como ele foi bonzinho, tão preocupado comigo, né, gente?! Tive, então, uma redução de carga horária, contra a lei, como todos sabem. Imaginem o impacto disso num orçamento já alterado pela vinda do 2º filho!

E na rede municipal  minhas 2 vagas na minha escola do coração estavam preenchidas, afinal era outubro, não quiseram mexer na grade, e me jogaram para uma escola HORRÍVEL,  num bairro com frequentes disputas entre facções  de tráfico de drogas. Os alunos corriam pelos corredores e chutavam as portas, entravam e saíam livremente das salas quando queriam, não havia livros, se sopapeavam à vontade, sem restrições,  uma gritaria, um hospício aquilo lá! No 1º dia entrei na sala e tinha dois alunos enormes correndo por sobre as mesas  dos colegas sentados,  e ao chegarem ao final da sala, davam um salto, batiam com o peito um no outro e davam um grito tribal assim: Uh!  E eu, toda docinha, com os peitões vazando, ensopando a blusa, tentando pôr ordem naquele furdunço.  Até que um dia, percebi, horrorizada, que eles levavam estiletes no estojo,  feitos com aquela lâmina do apontador espetada numa extremidade do lápis. Transtornada de medo, dei minha última aula naquela escola, encerrando, no meio de novembro, minha inócua participação na vida daquela comunidade. Consegui uma licença médica para o Tariq, que começou ali uma longa carreira de pneumonias por intolerância à lactose, e nunca mais pisei aquelas areias.

Gente, relendo aqui os caderninhos onde registrei o começo das vidas dos meus filhos, aquele famoso filminho de recordações começa a rodar e vem tudo numa torrente só. Ontem à noite consegui me sentar pra ler e comentar as postagens da semana e me emocionei muito com elas, fiquei tristinha depois até, porque pensei “xi, caramba, não tenho algo assim emocionante pra contar, só aquela rotina de sempre mesmo”. Mas como essas pequenezas fazem a diferença nas nossas vidas, né não?! Imaginem como essa linha de tempo, esse vai-e-vem de fatos, esses pedacinhos de alegrias e de incertezas, essa colcha de retalhos de emoções, tão especiais pra cada uma de nós que  aqui vem pra deixá-las guardadinhas e, ao mesmo tempo, expostas para o mundo, (acho que mais para nós mesmas do que para quem quiser vir ler)... É um registro danado de importante, sô! Eternizado aqui! Nossos filhos vão ler ( os meus já lêem) e conhecer melhor as suas mães, com suas fraquezas, angústias e fortalezas. Um beijo, inté.
                                                                                                                                            (Else Portilho)

12 comentários:

  1. Else, primeiramente morri de rir com o vídeo, que é mesmo a sua cara! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    E depois chorei ao ler o seu relato, pois há momentos em que me sinto exatamente assim. Fico implorando pro Miguel dormir pra eu tentar ajeitar as minhas coisas, ler um pouco, navegar... apesar de amaar estar com meu filho, de brincar com ele... A minha sorte é que mamãe me rende um bocado quando sente que eu estou no meu limite da exaustão! Dá um nervosismo sem tamanho mesmo! Parabéns por sua sinceridade! E que atire a primeira pedra quem nunca torceu para o filho dormir por mais algumas horas... Ontem, por exemplo, mesmo gripada, morta de sono e de cansaço, fui a um aniversário com Miguel, só para satisfazê-lo. Voltei só o pó. Ele não sossega um minuto sequer. Na volta, pretendia atualizar meus blogs, ler meus e-mails, terminar de corrigir umas provas, ler, mas... me permiti dormir, se não acho que daria um ataque! É brabo mesmo! Beijos mil.

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  2. Else

    Como me identifiquei com seu texto! Até hoje sinto necessidade de sumir vez em quando e deixar todos para trás. Faço isso e sei que é saudável tanto para mim, quanto pra eles. Quando eles ainda eram bebês carregava a culpa por querer que eles dormissem logo, que fechasse a boca...rsrsrs. Depois aprendi a lidar com minhas fraquezas...sei que sou humana e que tento dar o melhor de mim. Gostaria de partilhar um filme que identifiquei-me muito com a mãe, mas esqueci o nome. Sei que ela precisava ser afastada dos filhos pelo alcoolismo (que não era o meu caso), mas acho que eu também precisava desse afastamento algumas vezes.
    Abraço minha querida

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  3. Oi Else... estou aqui pensando em tudo que vc escreveu... voltar ao trabalho foi penoso pra mim tb... e com um agravante minha mãe operou o coração com ele ainda pequenino, então já sabe, né? Como diz o Luciano Hulk: - Loucura, loucura, loucura!Ainda hj tenho problemas para ir ao trabalho, apesar de treze anos passados, meus horários loucos na Sala de Leitura e trabalhar tds as noites até 10 e 30 h. me consome. Muitas vezes escuto piadinhas do meu marido pra marcar um horário na minha agenda pra encontrar com ele ou um comentário maldoso: - Se der tempo a gente se vê. Mas, o pior de tudo é não ter tempo para ver um filme, bater um papo gostoso, rir à toa e comer doces ou pipocas junto do meu príncipe. O que mas me entristece, mas me conforta é que ele me espera todas as noites para dormirmos juntinhos, apesar de toda torcida organizada (vó, tias, neuro, pscóloga e etc) ser contra e achar um absurdo... Beijinhos belicosos...

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  4. Else, penso que somos todas umas vitoriosas, seja qual for a decisão que tomamos porque não desistimos, mesmo que a corrente esteja do lado contrário. Sofremos por estar longe, sofremos por ficar muito perto. A verdade é que a vida de mãe é feita de dedicação gratuita porque não há garantia de que vamos ser bem compreendidas por aqueles que estão à volta. É por isso que cada vez menos os casais estão tendo filhos, muitos optam por cirurgia só para não correr o risco de ter experiências dolorosas como essas que lemos nesses relatos maravilhosos dessas mães cheios de energia e de amor. Você nos emociona com seus textos sempre...seja qual for o assunto. Ameii!!

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  5. Else, me identifiquei também, quantas vezes torcia para ele dormir logo. O guri levantava e eu colocava novamente para dormir. kkkkkkk Quantas vezes também não tive tanta paciência, torcia para ele crescer logo... Hoje sinto tantas saudades daquele tempo, vc nem imagina. Hoje curtiria muito mais aquela fase, pois ela é única na nossa vida. bjss

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  6. Else,
    Amei seu post e sua sinceridade. Somos mães e muitas vezes nos sentimos culpadas por querer que o filho durma cedo, que pare de fazer cocô na cueca (isso acaba quando, gente!?) etc, etc, etc... Como Mariuza disse, somos mães e humanas. Descobriremos a receita da felicidade quando compreendermos isso.

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  7. Meniiiinas, que reconfortante isso de vocês também poderem assumir que fica(ra)m de saco cheio com essa rotina escravizante sem fim... Fiquei mesmo aliviada, cheguei a pensar que tinha extrapolado, me exposto demais. Mas é isso mesmo que a gente sente, uai!! Lembro direitinho da minha mãe, kkkk, quando nós 3 brigávamos em casa e era aquela gritaria, ela descia que nem um foguete e ficava sentada na calçada um tempão. E nós 3, pianinho, na janela, morrendo de medo de ela não querer voltar, hehehe!!!

    Dequinha, a gente se sacrifica mesmo pelos filhotes, faz o que está além das nossas forças...E se sente feliz da vida, né, com aquela carinha boa que recebe de volta!

    Mariuza, eu já saí algumas vezes, enfezada, e fiquei fusqueando por aí, até a raiva passar... E fiquei doidinha pra saber que filme é esse,façavor de lembrar logo!

    Silvinha, fiquei com o coração molinho de te ler... Ah, bolas pros psicólogos, siga seu coração e sua intuição e pronto, só não deixe isso mexer no seu casamento! Que legal você vir sempre aqui!

    Zizi, pensei no que você disse e é verdade mesmo, tem de tudo um pouco:gente que deixa de ter filhos porque quer viajar, estudar ou fazer uma social a vida inteira, ou porque não quer ninguém dependendo dele(a),ou até porque não crê ser capaz de desenvolver esse amor desprendimento, esse amor doação que também supõe frustrações oras, afinal, somos humanos.

    Cris, enquanto escrevia e relia meus caderninhos, pensava nisso também... Voltar ao trabalho me privou de acompanhar taaaantas novidades, às vezes eu chorava quando eu ia buscá-los e a mamis me contava as bonitinhezas deles!

    Daaani, kkkk, essa parte excrementosa é de doer, né?! Dá um desânimo, uma impaciência total, e a impressão de que não acaba nunquinha...

    Meninas, hoje eu vou dormir especialmente feliz, me sentindo menos bruxa, porque vocês vieram aqui me ler e compartilhar, cumplicemente, "o outro lado da mamãe".
    Um beijo carinhoso pra cada uma docês!

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  8. Else, que lindos são os seus textos! Como são emocionantes! Picantes, sofridos e deliciosos!
    Muitas dores, muitos conflitos e muitos deles parecidos com muitas das dores pelas quais todas nós passamos por sermos mães, esposas, professoras, donas de casa, enfim, Mil e uma utilidades! Mas você consegue nos passar muita emoção com a sua alegria!! Parabéns!!

    Bjos

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  9. Else, você soube balancear seu texto que ora diverte ora emociona. O video é bem a sua cara. Ri muito! Mas também me senti angustiada quando relata o sofrimento de ter de conciliar o trabalho com a vida de mãe e dona-de-casa. Nada fácil mesmo! Gente, não sei se conseguiria! Parabéns, você é mais uma lutadora! Bjos!

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  10. Else,
    para variar, amei seu texto.
    Te entendo perfeitamente.... Parece que os filhos têm um radar, não é? No dia em que estamos mais cansadas, mas estressadas, eles querem brincar, não dormem, etc, etc...
    Muito boa a maneira como escreveu!
    Bom saber suas histórias!
    Bjs

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  11. Ah, o que dizer do seu texto, hein, Elsinha? Esse aqui tá demais! E eu fiquei tão aliviada de saber que não fui só eu que chacoalhei (de levinho...rs) o Henrique no berço pra ele dormir logo!! A gente fica cega de nervoso, né? Nossaaaaa, adorei!

    Beijocas

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  12. Ahh, esqueci de comentar que o vídeo é um barato! ahahahahahaha Uma analogia perfeita....kkk

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