segunda-feira, 18 de julho de 2011

De filhos a repolhos


Vocês só falam de filho! Qual mãe ainda não ouviu isso? Do próprio marido, do lado masculino da mesa ou de alguma amiga que ainda não tenha decidido passar pela aventura da maternidade. Quando é comigo, respondo imediatamente: "Não tô falando de filho, tô falando de mãe. De mãe, de mim, de todas as mães, da questão mãe, entendeu?!" O fato é que esse virou mesmo meu assunto predileto, desde que não entre muito na cor do cocô. Podemos até começar pelo cocô, mas, invariavelmente, a conversa vai parar no ponto X, o mais interessante, o lado existencial, o ser mãe, o ser colocada em xeque todos os dias, o caminhar no fio da navalha, em que as palavras são pérolas para um serzinho tão disposto no mundo. Quando o Xé alcançado, a conversa pode me levar a dormir às quatro da manhã, sem esquecer que o pivô do assunto, aquele de quatro anos,  vem me acordar às sete.

Filho faz você pensar muito!

Lembro muito bem, na mesa do jantar, quando nosso pequeno Nino, que mal articulava uma frase inteira, com a boca cheia de repolho, perguntou: "Mamãe, você gosta de repolho?" Não vou saber explicar aqui, caras leitoras, acho que mesmo com todos os gestos e olhares que uma atriz dispõe para tentar se expressar, eu não conseguiria fazer vocês entenderem completamente o que me aconteceu ao ouvir "Mamãe, você gosta de repolho?" Aparecia ali para mim Nino, o homem. Aquele que com menos de três anos queria saber uma opinião, o mesmo que, um dia, iria adjetivar e abstrair. Meu Deus! Não sei o que me aconteceu. Foi uma frase, uma pergunta simples que me fez ver que eu tinha ali na minha frente uma personalidade que me acompanharia a vida toda, que cresceria deixando o tênis pela sala e que um dia, com uma mão enorme, talvez desse um carinhoso tapa na minha bunda querendo me dizer alguma coisa que não tem importância. "Adoro, filho, adoro repolho".

Filho faz você pensar muito. Você pensa na vida, no que você vai  ser, no que eles vão ser, na melhor maneira de cumprir sua missão por aqui... Você pensa e fala. E, quando você fala, parece que você tá falando de filho, mas você está falando de existir! Ih! Hoje estou filosofando muito.

Depois que tive filho, quis voltar pra faculdade. Só não sabia se queria psicologia, pedagogia, antropologia, filosofia ou até física, já que a ciência anda por aí tentando explicar o milagre da vida. Mas desisti da ideia porque, depois dos filhos, o que você menos tem é tempo. E eles próprios acabam nos ensinando muito. O pequeno Nino me viu com uma calcinha de florzinha que pouco uso e falou: "Mamãe, que que é essa calcinha?" "Uma calcinha da mamãe, filho. Você gostou?" Passa um tempo e ele solta: "Já sei como é a vida, mamãe. Homem gosta de passarinho e mulher gosta de borboleta". Fiquei pensando naquela simplicidade. No que teria a ver a calcinha de florzinha com aquela "filosofada" infantil. Não sei exatamente. O que sei é que é sensacional ter crianças em casa. Eles nos restabelecem a lógica. Nós vamos fazendo curvas e eles nos põem na reta, nos ajeitam o pensamento.
(Denise Fraga - "Travessuras de mãe")

4 comentários:

  1. Como a Irene costuma postar mais tarde e a segunda passa o dia praticamente todo com um "buraco" aqui, resolvi compartilhar este texto da Denise Fraga com vocês, pois o adoro, por considerar profundo e por resumir com perfeição como cada mãe se sente! Não é vero? Beijos a todas e boa semana.

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  2. Uma graça de texto, muito bem selecionado, Dequinha.Levam à reflexão a partir de fatos tão simples (aparentemente) pequenos e tão Grandiosos/significativos: assim como são nossos filhos.

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  3. Ahh, que texto bacana! É daquele livro que você recomendou, né? Poxa, gostei muito. Não conhecia a Denise escritora...adorei!

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  4. Dequinha, lindo texto da Denise! Realmente, filho faz você pensar muito!!

    Muito legal você postá-lo aqui!
    Bjos

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