domingo, 20 de novembro de 2011

A meus filhos, com amor



Talita e Tariq, sentei-me ouvindo música calma  pra escrever uma carta a vocês  dois.  Parece simples,  mas não é tarefa confortável.  Já levantei pra beber água duas vezes e  fui ao banheiro outras duas, comi algumas bananas, já troquei o estilo das músicas, abri e fechei a janela... Meus olhos passeiam pela sala e procuram afazeres que normalmente empurro pra frente, como livros  empilhados à espera de quem os guarde, o monte de redações no aguardo de quem as avalie, as panelas do almoço ainda na mesa e tudo mais que vocês sabem. Mas o Word aberto na minha frente puuuxa de volta meu olhar e eu obedeço, literalmente cheia de dedos.

Pululam na memória recente sábias palavras de Victor Hugo e  Rubem Alves, Rudyard Kipling e  Chico Xavier, invadindo minhas ideias, minhas tentativas de escrever coisas só minhas, únicas e personalizadas, para vocês dois,  filhos tão únicos, que me foram confiados nessa caminhada.  Nem posso contar com a cumplicidade dos nossos caderninhos agora, estou a sós comigo mesma e a emoção começa a me tomar conta. Uma onda de amor me percorre, meu coração perde o ritmo, meus dedos aflitos tamborilam no teclado, procurando, quem sabe, uma rota “segura”, livre de lágrimas, pra fazer esse download de sentimentos vestidos em palavras.

Certeza eu tinha: vocês viriam. Gravitavam em volta de mim, povoavam meus sonhos, faziam-se presentes, visitavam meus desdobramentos, como que lembrando o que combináramos. E tão logo as conjunturas se fizeram favoráveis, vocês deram o ar da graça, percorreram de volta o caminho desse planeta-escola, para nos reencontrarmos e resolvermos as nossas pendências, nos ajudarmos, crescermos juntos, nos amarmos. E em nosso novo e lento aprendizado , tantas vezes  me sinto a criança entre os adultos e me recolho ante à grandeza dos seus propósitos, me envergonho do que sai da minha boca, frente aos seus olhos espantados com a minha insensatez...

Talitinha, você é a minha companheira de aventuras e desventuras caseiras. Por sermos tão parecidas, sofremos os mesmos desgastes diários de deixar cair e de perder coisas, de não guardar nada no lugar, até no jeito atropelante de contar casos. Sua gargalhada barulhenta, feliz, preenche todos os espaços da nossa casa. Você constantemente me abraça com muito carinho e, tão madura, não guarda rancor das nossas discussões, o que me deixa muito sem graça, porque, afinal, o exemplo deveria vir de mim.

Você, Tariq, é generoso, desapegado, sensível. É capaz de deixar para os outros o melhor ou o último pedaço de frango, se desfaz de seus brinquedos com a maior facilidade, em favor dos que nada têm. Ama as plantas, preocupa-se com os animais e na hora da prece da noite, sua listinha de favorecidos, dos reinos mineral, vegetal e animal, entraria pela noite se eu, discretamente, não a encurtasse...

Sentada aqui, revendo o eterno filminho-dos-momentos-de-escrever-no-blog, me vêm agora cenas em que meu egoísmo falou mais alto (quase gritando) e  não fui brincar com você, Tariq, porque queria continuar lendo ou na internet... E você,  Tatá, quantas vezes desejou que eu ficasse mais tempo ao seu lado, à noite, papeando pequenos e grandes detalhes de nossas vidas, mas eu me afastei... Revejo suas carinhas de decepção e fico com a cara quente de vergonha de mim mesma.

Quantos enganos  venho cometendo em nome de “uma educação exemplar”, de “criar filhos independentes, filhos para a vida”?... Vocês dois já saíram da fase de considerar  perfeitos seus pais, modelos de super-herois. Tento, ao perceber os erros, reconhecê-los e corrigi-los bem depressa, não tenho melindres quanto a isso.

Buscamos, seu pai e eu, trazer pra dentro de nossas vidas os ensinamentos de Jesus. Ainda que não os estejamos cumprindo à risca, imperfeitos que somos, estamos no caminho, disso tenho certeza. Temos plena noção de quão difícil é empreender essa caminhada, mas também estamos cientes de que não estamos juntos nela por acaso... Há um trabalho maior a fazer! E é a isso que temos de nos ater, precisamos contar uns com os outros, sempre. Não queremos, não podemos fracassar!

Estarei sempre com vocês, meu filhos. O amor verdadeiro é maior que tudo, podemos confiar! 
E foi pra dizer isso, enfim, que escrevi esta carta.

                                        (Else Portilho, mãe confiante da Talita e do Tariq)

10 comentários:

  1. Puxa amiga! Fiquei emocionada pelo post e de como você consegue escrever tão bem. Parabéns!
    Bjs, Sheyla Cristina.

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  2. Que emoção essa sua carta! Como sempre, Else, você com essa capacidade de transformar os sentimentos em palavras...Lindo!

    Beijo

    Mariuza

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  3. Else
    Todas nós algum dia já trocamos um filho pra corrigir provas, reuniões intermináveis na escola, novelas ou sei lá.O bom disso que quando eles se tornarem pais lembrarão que o mais importante é o carinho que demos a eles quando mais precisaram.Minha mãe não me ensinou a ser independente e sofri e sofro até hj.Tento passar para as gêmeas um pouco dessa independência que não tive, e isso inclui o dizer: Faça vc mesma.É a vida...

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  4. Else como sempre me emociono com sua forma de tocar as pessoas qd escreve,amei e me vi ali em muitas linhas,parabéns pela carta,bjao!!!

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  5. Else, uma declaração dessas merece, no mínimo, uma reverência!! Como é gostoso sentir nas palavras o toque do sentimento que as faz brotar no papel. O "descrever-narrado-reflexivamente", que texto maravilhoso!! Um conjunto harmonioso de letras, sílabas, palavras, frases em períodos simples e também compostos, soam aos ouvidos tão docemente que eu gostaria que não terminasse. Show!! Parabéns!!

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  6. Por quê vc sempre me faz chorar???Mariana acaba de entrar em casa e eu com essa cara inchada e vermelha,tentando me esconder atrás dos meus óculos de leitura(quase uma vovó).Linda carta de amor a sua,sincera e destemida,falando do seu amor e dos seus erros,que como seres humanos tb falhamos.Else querida obrigada{Mari acaba de perceber minha cara inchada- (O que foi mãe,morreu alguém?)eu sabia q ia dar nisso}por ter entrado na minha família e dado a meu irmão esses filhotes,que eu amo muito!!Bjs Bebel

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  7. aaaaii, mae...*chorando baldes aqui*

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  8. Meus filhos já não são crianças como eu acho que são,mas meu comportamento é sempre uma duvida, minhas atitudes,as vezes,normalmente,quase sempre...uma pergunta...Certo ou errado? Como agir?
    Não sei...o que mais me deixa apreensiva é que em cada pensamento a uma resposta e eu gostaria que só tivesse uma...Tudo isso foi pelo grande amor que tenho por vocês.

    beijos
    Jacqueline

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  9. Else, como sempre, você supera nas emoções e na criatividade! Parabéns!!

    Bjos

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