domingo, 1 de maio de 2016

Torturando com "Amor sem Fronteiras"


Hoje não coloquei Miguel de castigo, mesmo ele tendo aprontado o dia todo, numa teimosia ímpar! Só dei várias broncas, inúmeros gritos, um tapa na bunda e outro na perna. Pra completar, na hora da janta, o meu restinho de paciência foi todo embora! Ele é terrível para comer, mesmo eu dando, às vezes, escondido da pediatra, um abridor de apetite, que só funciona nos primeiros dias. 

Me estressei feio, apelei e fiz uma puta tortura. Pelo menos pra mim, porque, pra ele, pelo menos por enquanto, nem foi tortura, nem está sendo. Falei sobre as crianças raquíticas da África, desnutridas, osso puro, que queriam tanto comer e não têm o quê... e ele aqui cheio de opções e recusando a grande maioria. Acabei citando o filme "Amor sem fronteiras" e a cena em que um urubu fica bem pertinho de uma criança, magriiiinha, cadavérica, encarando-a, só a esperando dar o último suspiro para atacá-la. Ele me perguntou porque ela não fugia... e eu falei que não tinha forças, porque quem não se alimenta ou não se alimenta direito não tem força pra nada, nem pra andar, correr... 

Ficou hoooooras me enchendo o saco que queria ver o filme. Falei que ele ainda não tinha idade pra ver, porque o filme era triste, chocante, apesar de muito bonito, e que quando fosse maior eu o deixaria ver. Fiquei com medo de permitir e isso causar um certo estrago nele, sei lá. Às vezes acho que antecipo muito as coisas pro Miguel, que certos choques de realidade poderiam e deveriam ser evitados e tal... fico me questionando se estou fazendo a coisa certa... 

Expliquei que eu choro quando vejo esse filme, incontáveis vezes já, e que meus alunos do Ensino Médio, todos adultos, também ficaram impressionados e choraram quando passei para eles. Não adiantou. Falou que queria ver de qualquer jeito e se não aguentasse me falaria pra tirar o filme... e que eu o deixei até ver "Mama", que era de terror e blá-blá-blá... 

Cedi. Arrisquei. Ele está aqui assistindo, super atento, nem pisca, nem nas partes mais chatas e que ainda não entende, a fundo. Se vou me arrepender ou não, juro que não sei. Só ouvi meu coração. Às vezes também a gente tenta poupar tanto as crianças que parece querer trancafiá-las em uma redoma... quer protegê-las excessivamente... 

A parte do urubu que eu contei pra ele já passou, e o deixou com os olhos cheios d´água. Forte. Mais forte ainda pra mim, depois de hoje. Vou me lembrar dessa cena  do filme e da cena do meu filho vendo-a porque eu resolvi permiti-lo ver, talvez antes da hora. De qualquer forma, ele foi mais forte do que eu, que novamente chorei. Chorei como a primeira vez em que vi. Chorei por saber que essa triste realidade existe, de fato, e ninguém faz praticamente nada pra mudar essa situação. Chorei por saber que não precisamos ir tão longe, e que temos várias Áfricas por aqui, pertinho de nós. Chorei por me sentir uma bruxa má por estar apresentando tudo isso ao Miguel, mesmo sabendo que apresento muito mais as histórias encantadas, um mundo mágico de historinhas... 

Agora é esperar o filme acabar, tentando me preparar para responder às possíveis dúvidas que vão brotar em meu filho, porque, até agora, ele só quer saber se vão aparecer de novo o urubu e as crianças magrinhas da África e se falta muito ainda para ver a parte do campo minado que eu também mencionei. (risos) Não sei não, mas desconfio de que se isso foi uma maneira de torturá-lo e fazê-lo acordar para comer melhor, se vai funcionar ou não, não faço ideia, só sei que está sendo torturante, como sempre, pra mim. Haja coração, haja...!!!

(Andreia Dequinha - mãe às vezes aparentemente má do Miguel)

10 comentários:

  1. É,mãe, quanta dúvida, quanta preocupação , quanta dificuldade...até mesmo, quanto medo constituem a tarefa de educar; orientar nossas crias visando sempre ao bem-estar delas. Bom seria se as recebêssemos acompanhadas de um manual de instrução. Como isto não acontece, então nos damos o direito de optar pelo que acreditamos ser o melhor, em momentos cruciais, mesmo que depois venhamos a nos arrepender... Mas nós temos esse direito ; afinal, somos humanas... apesar de a sociedade nos cobrar cruelmente, fazendo nos sentir culpadas de um possível fracasso posterior. Fomos criadas para desempenhar nossa tarefa materna sem cometer erros, enganos ou qualquer deslize. Não, mãe, não se sinta culpada se Miguel ficar triste ou traumatizado após assistir ao filme; os fins justificam os meios. Nada como uma boa conversa, mesclada de amor e carinho para minimizar os efeitos negativos que porventura venham a surgir. E você saberá conduzi-la com maestria, porque tem o dom da palavra e o ama incondicionalmente. Este, como todos os textos anteriores, expressam experiências embasadas na mais pura autenticidade... São verdades nuas e cruas ditas com o coração. Parabéns, querida !!!!

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    1. Obrigada por sempre vir aqui me oferecer uma palavra de conforto, um ombro amigo, um colo... Já a considero uma amiga querida! E tomara mesmo que tudo dê certo, e, se não na hora, que seja um dia! Não tenho pressa! Só não erra quem nunca ousou fazer nada, né? E eu tento fazer, o tempo todo, inquieta que sou. E elezinho tb. Às vezes uma inquietação abraça a outra e se entendem, mas às vezes sai faísca... mas acho que a vida é assim, conviver é assim, sempre precisando de ajustes, de adaptações, de rascunhos passados a limpo... ainda mais numa rotina diária e intensa que é a de mãe e filho. Beijos mil. Bom saber que gosta de me ler. Ando tão desanimada com tanta coisa, inclusive com o blog, mas... caminhando, ainda que com passinhos de tartaruga.

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  2. Dequinha, lindo relato que me fez mergulhar no passado e reviver uma cena muito parecida que eu tive com o Danilo. Ele sempre foi ruim para comer (exceto besteiras:bolachas, iogurtes, etc) . Eu fazia de tudo para que ele se interessasse na comida e um dia arrisquei dizer a ele que enquanto ele me fazia jogar comida fora, havia crianças na África, no mundo todo e tb perto de nós que mal tinham os restos para se alimentar. Sabe qual foi a resposta dele? " Então por que a senhora não pega toda essa comida e leva para eles?" Pode? Quando eu digo que o Danilo era terrível eu não exagero nem um pouco.
    Concordo com vc, a gente apela para qualquer argumento válido para o bem deles, nossas intenções sempre é a melhor possível. Queremos um filho sensato com valores e há momentos em que a provável falta disso nos incomoda muito porque somos mães que se importam com o tipo de filho que vamos deixar neste mundo.
    Seus textos transbordam amor e emoção ao mesmo tempo que são muito bem escritos porque as letras e vc possuem uma cumplicidade explícita. Parabéns, mais uma vez. Vc prova que embora esteja desanimada com algumas coisas, não interfere na qualidade dos seus textos.

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    1. Pra você sentir o meu drama, Miguel consegue ser ruim até pra comer as besteiras que toda criança adora! Recusa flan, a maioria dos iogurtes, salgadinhos, doces de um modo geral, sucrilhos, farinha láctea, gelatina, geladinho...

      Miguel não me deu uma resposta dessas como o seu Danilo não por lhe faltar vontade, mas ele sabe que tem uma mãe maluca que é capaz de jogar todo o prato de comida na cabeça dele, tal qual como fiz daquela vez com o cuscuz, conforme contei em um dos textos. O medo é maior do que a vontade de me afrontar, acho. Ainda bem! Rs rs rs

      Por curiosidade: o que vc respondeu ao Danilo, após esse comentário dele?!? Só pra eu saber, caso Mig me saia com uma dessas ainda, qq dia desses. Rs rs rs

      Obrigada pelo carinho de sempre e quem me dera se eu escrevesse assim tão bem como vc vê! Bondade sua! Beijos mil.

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  3. Amiga, que dilema!! Entendo a sua preocupação de mãe, a gente quer sempre o melhor para os nossos filhos.
    Eu tenho uma luta com o Mateus, porque não come nenhum tipo de legumes, às vezes, umas rodelinhas de tomate e também não come doces de nenhum tipo, exceto o chocolate. Não come cural, canjica, pamonha, iogurtes em geral, pudim e nada que tenha coco, nem água de coco e o pior, nunca se arriscou a provar nem pra saber o gosto.
    Também nunca lambeu a lata de leite condensado o que quase toda criança gosta de fazer.
    Mas enfim amiga, não se sinta culpada pelo fato dele ter assistido ao filme. Você sabe muito bem como conduzir uma boa conversa com ele. Parabéns pelo texto, sempre muito bem caprichado, bem temperado com amor, carinho, preocupação e muita emoção! Bjos

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    1. Dia desses falei pro Miguel que eu queria ser a mãe do Pou (aquele bichinho que a maioria das crianças cuida no tablet), porque ele é bom de boca... come de tudo... sem cerimônia... e ainda tem a opção de dar uma poderosa poção pra dar fome! Tudo o que eu queria! Kkkkkkkkkkkkkkkkk

      Não é por falta de estímulo... de incentivo... de oferta... é chatice e teimosia dele mesmo! Parece que o pouco que come já o satisfaz (eu que queria ser assim, mas... rs rs rs).

      Tomate até que ele às vezes come, que nem maçã... que, aliás, ele não come. Diz que não gosta. Um inferno! Afe! As vezes faz que nem o seu filho: diz que não gosta sem nem nunca ter experimentado. Dia desses resolveu provar geleia de mocotó e gostou! Tonto! Rs rs rs

      Às vezes acho que eles fazem isso tudo só pelo prazer de nos irritar, pq não possível...

      Lata de leite condensado, se deixar, ele bebe inteira... rs rs rs
      Um inferno quando eu abro uma!!! Rs rs rs

      Valeu pela força e pelo carinhoso recadinho, sempre. Boa sorte pra gente com esses meninos...

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  4. Anjo meu, Vc sabe que me.inspiro muito.em.vc, desejo.mesmo que.eu possa sanar todas as dúvidas do meu assim.como Vc faz com grande responsabilidade sem.ser.pandega ( eu) bela reflexão, claro.q terá q voltar esse filme pois é duro demais, mas.serve até pra nós,pois.muitas das vezes.comete mim os esses.erros



    Bjs.bethy

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    1. Coitada de mim... quem sou eu para inspirar alguém... e olha que você é a segunda doida que me diz isso. A outra é minha amiga Camile Pinheiro, mãe do sobrinho do Miguel, e meu neto emprestado. Rs rs rs

      Quem disse que eu sano todas as dúvidas?!? Enrolo um monte... desconverso... faz parte... kkkkkkkkkkkkkkk

      Sim, já vi dezenas de vezes esse filme e sempre saio mexida, do mesmo jeito, incomodada. Precisamos desses tratamentos de choque e de realidade assim a nervo exposto. Beijos.

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  5. Educar é muito difícil, mas como já falei vc é uma super mãe. Fique tranquila e se cobre menos. Educar é muito difícil, só nós entendemos bem.

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    1. Muito difícil meso, amiga. É um desafio diário... uma prova difícil e para a qual nem podemos estudar! Ainda bem que é interpretação de texto, e não poderia haver texto mais lindo do que filho, né? Mas é complexo... lindo em toda a sua complexidade...
      Vou tentar me cobrar menos, me perdoar mais... Aos poucos eu chego lá, como vc chegou! Beijos.

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