quinta-feira, 9 de junho de 2016

Pirraça e suas marcas


Se fôssemos dividir a nossa vida em dois momentos proporcionais às relevâncias dos fatos, sem dúvida seria antes e depois de ser mãe. Essas duas experiências significativas resumem o trajeto linear representado pelas fases de criança à adolescente e de adulta à mulher.

Desde bem cedo, aprendi que os triunfos não estavam associados às chantagens emocionais e muito menos às birras ou pirraças. Ainda que não concordasse, nunca atropelei uma determinação dos meus pais porque eu era apenas uma gota em meio àquele poço de sabedoria e de amor.  Tinha muito que aprender antes de tornar-me sujeito das minhas decisões.

A princípio, como filhas, vivemos sob condições impostas, um espécie de liberdade guiada pela sabedoria dos pais, para o nosso próprio bem,  quer concordemos ou não (só descobrimos isso anos mais tarde).

Depois que os papéis se invertem, sentimos o irrecusável peso da responsabilidade tocar-nos as costas e, de mansinho, estabelecer-se definitivamente em nosso ser.  O relógio inicia, então, a contagem do tempo: é hora de colocar em prática os ensinamentos que tivemos para melhor guiar, orientar, educar nossos filhos.

Ninguém nasce mãe, é um processo que ocorre junto com a gestação e vai amadurecendo no dia-a-dia. A vontade de aprender e fazer tudo da melhor forma possível supera a habilidade para tal. Por isso, impossível evitar algumas gafes quando se deseja encarar, de fato,  a maternidade.

Flechada pelo Cupido, aos 20 anos assumi o matrimônio dando início a outra etapa da vida que já dura 34 anos e que  floresceu  com a chegada dos filhos e depois,  dos netos.

Com a chegada dos dois rebentos, meus dias estavam plenamente preenchidos, dois olhos mal conseguiam  acompanhar  o ritmo das peripécias de ambos. Danilo, movido pela curiosidade, carrega consigo a medalha de ouro da teimosia. Patrícia, que nunca gostou de papel subordinado, merece o troféu da argumentação.

Danilo escutava todos os conselhos, mas só seguia aqueles que iam ao encontro dos seus objetivos, ou seja, nenhum! Foi assim que quase se perdeu numa multidão;  queimou a mão em uma fogueira de São João; conheceu a sensação desagradável de um choque elétrico ao mexer numa tomada, sentiu nas mãos o calor de um ferro elétrico ligado, tomou várias ferroadas de abelhas, ficou preso dentro do capô de um  veículo portando a chave,  etc. Todos esses inevitáveis incidentes na infância e parte da adolescência foram consequências de sua clássica desobediência. Como adulto, menos inconsequente e mais cauteloso, surpreendeu pela dedicação e senso de responsabilidade ao lidar com suas obrigações e escolhas. Porém, a teimosia ainda mostra suas garras, preferindo, muitas vezes, aprender com os próprios tombos.

Patrícia, com poucos meses de vida, descobriu uma forma infalível de persuasão que a acompanhou durante alguns  anos e quase nos enlouqueceu: ela não podia ser contrariada de forma alguma que perdia o ar e passava mal. Tinha que ser socorrida às pressas, jogada para cima, sacudida, soprada. Imagine o desespero meu e de todos da família com medo que acontecesse o pior. Algumas pessoas afirmavam que aquilo era encenação dela, ou seja, pura manha,  e que eu deveria dar uma palmada para assustá-la. Não concordei com essa ideia e preferi seguir a minha intuição e os conselhos médicos: quando ela ameaçasse perder o ar, eu deveria sair de perto e observar de longe, sem que ela me visse. Dessa forma, caso precisasse eu poderia socorrê-la. Quando percebeu que aquela cena repetitiva já não provocava tanta atenção, aos poucos, ela parou. Até hoje eu não sei explicar com exatidão o que acontecia com a minha pequena ou qual a natureza daqueles dramas... Talvez aquela reação estivesse relacionada ao forte temperamento dela que se manifestou de formas diversas e marcantes em outras tantas cenas da vida...

Dois filhos, dois mundos que eu amo igualmente de forma incondicional e me delicio ao rever suas histórias de traquinagens, confusões, ações e reações que,  aos meus olhos,  virou uma canção cujas notas perpetuam docemente dentro deste coração materno que pulsa por eles...

(Zizi Cassemiro, mãe do Danilo e da Patrícia; avó do Gabriel e do Johnny)

8 comentários:

  1. Que grata satisfação poder ler cada linha e poder sentir o tamanho da emoção e do encanto de toda uma trajetória em dois tempos. "Se fôssemos dividir a nossa vida em dois momentos proporcionais às relevâncias dos fatos, sem dúvida seria antes e depois de ser mãe." Que coisa verdadeira!!
    Pois cresci ouvindo minha mãe contar as minhas birras e o quanto apanhei por causa disso, passei a ser mãe e agi da mesma forma, não com a mesma intensidade, mas de certa forma repeti a mesma ação vivida!!

    Como foi brilhante a sua atitude diante dos dramas da Patrícia! Cada pessoa é de um jeito, não tem jeito! Os meus sempre foram calminhos, por isso que me arrependo tanto de ter batido no Elias com tantas chineladas, mas a minha recompensa é que ele é um menino muito doce, muito tranquilo!

    Com certeza, dois filhos, dois mundos! É o que eu vivo também!

    Adorei o seu relato! Muito emocionante! Muito doce!! Obrigada por compartilhar conosco essa delícia de texto!!! Amei!!! Amei!!!

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    1. Muito obrigada pelas palavras de elogio e de incentivo!
      Enquanto pudermos transformar emoções em palavras marcaremos presença e registraremos tantos momentos ligados a nossos filhos, porque essa riqueza foi concedida por Deus e não há coisa melhor do que falar sobre eles. Beijosssss

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  2. Gosto muito de ler seus textos, corro pra cá quando sei que tem um. "Ninguéms nasce mãe"é a grande verdade ! E não tem receita pronta. E mesmo educando da mesma maneira, os filhos são completamente diferentes. Vc teve muita sabedoria em lidar com sua filha, garanto que era chantagem emocional. As crianças são muiiiiiito inteligentes ! bjkss

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    1. Fiquei muito lisonjeada com suas palavras. Muito obrigada!
      É verdade....a minha filha deu "um baile" com essa história de ficar sem ar! E eu nem contei tudo. Eu não saía sem ela de jeito nenhum justamente pelo medo de acontecer algo ruim e eu não estar por perto. Eu saía com os dois e de ônibus porque na época não tinha carro. E eu não confiava deixa-lá com ninguém, pelo menos nos primeiros anos... Foi uma experiência...passou. Hoje ela é uma moça linda, inteligente, sensível, mas brava só com algumas pessoas. Comigo ela é extremamente dócil e carinhosa. Ele tb tornou-se um grande homem. Cresceram mesmo. Tenho muito orgulho de ambos!

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  3. " é hora de colocar em prática os ensinamentos que tivemos para melhor guiar, orientar , educar nossos filhos." Pois é, na roda viva de nossa trajetória terrena, giramos... giramos... giramos... e acabamos voltando ao ponto de partida, depois que nos tornamos mães. Quando somos somente filhas, muitas vezes nos rebelamos diante das regras impostas por nossos pais. Ao sentirmos o peso de nossa responsabilidade como educadoras, lá estamos nós repetindo tudo que eles fizeram . Isto me faz lembrar os versos da letra de uma música do "Legião Urbana": "Você culpa seus pais por tudo/ São crianças como você / O que você vai ser/ Quando você crescer?" Errando ou acertando , somos uma cópia deles numa versão atualizada. Pela forma como conviveu com o comportamento teimoso do Danilo e com o poder de persuasão da Patrícia, com certeza, você foi muito bem formada pelos seus pais. Parabéns pela sabedoria materna e pela excelente explanação.

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    1. Zenilda, vc foi muito sábia nas suas colocações. Vivemos e repetimos atitudes e pensamentos daqueles que nos passaram valores: nossos pais e os professores. Só percebemos isso depois que fazemos o mesmo. A vida possui inúmeras formas de nos ensinar a arte de viver, principalmente, colocando pessoas especiais em nosso caminho para aprendermos com elas e reproduzirmos tudo depois. O aprendizado acontece todos os dias em qualquer lugar, seja real ou virtual. Aqui no blog, por exemplo, vcs me ensinam muito com a troca de relatos. Essa riqueza não tem preço.
      Obrigada por ter gostado do texto. Quando sentimos que nossos escritos corresponderam, há uma sensação de bem-estar por termos conseguido realizar um bom trabalho!
      Bjosssss e agradeço pela simpatia e gentileza.

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  4. O ser mãe é realmente um divisor de águas na vida de qualquer mulher, né? Sou outra Andreia depois da chegada do Miguel, e graças a Deus por isso. Me tornei mais humana, mais sensível, mais tolerante (dentro do possível) e menos egoísta. Meu mundo parou de girar em torno de mim para girar para ele e por ele. É uma espécie de perder um pouco a nossa personalidade para ganhar!

    E concordo plenamente quando diz que não se nasce mãe, a gente vai nascendo a cada ação encarada. São várias as mortes também para que outra e outras renasçam. Uma para cada situação. Tantas. Sempre. E é um desafio assustador e delicioso, paradoxal assim. Eu gosto. Muito. E tomara que eu tenha com o Miguel o mesmo êxito que você teve com seus filhos e netinhos! Permita-me sempre usá-la como um exemplo, como um espelho, pois você arrasa! Amo suas histórias! Todas elas.

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    1. Quem se sente honrada sou eu, pois sou sua fã há tantos anos e desde então tenho caminhado por perto para nunca perdê-la de vista. A troca de experiência entre as mães é algo tão rico e lindo!
      É recíproco a admiração porque vc é ligada nos 220, tem criatividade saindo pelos poros, é muito dinâmica e parece que faz tudo de uma vez só e consegue estar em tantos lugares ao mesmo tempo. Vc é uma espécie de "Fernando(a) Pessoa e seus heterônimos(as)
      Acompanhei ,um pouco, a Dequinha filha e a Dequinha mãe. E tudo isso que vc afirmou sobre seu comportamento eu concordo e assino. Melhoramos sim quando nos tornamos mães.
      Obrigada linda por ser tão você mesma! Beijão!

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