sábado, 10 de setembro de 2016

O que revela uma caneta?


Disseram-me, certa vez, que quando a criança completa 1 ano de idade, é o momento ideal para saber qual será sua futura profissão. Para isso, em frente da criança sentada, deverão ser colocados vários objetos que representam funções ou profissões. Aquilo que ela escolher para brincar naquele momento representará seu futuro como profissional.

Quem sou eu para questionar uma afirmação de cunho popular?  Tantos  exemplos  mostram que a sabedoria antiga superou fundamentos científicos com suas teorias efêmeras. Além disso, a curiosidade sempre está presente no atento olhar das mamães. Não custa nada fazer o teste...

Movida pela ideia da previsão, rodeei os meus pequeninos com canetas, papéis, brinquedos  e objetos diversos para ver como reagiriam diante deles. As crianças, geralmente, sentem-se atraídas pelo perigo. Que mal pode haver em um objeto fino, leve e pontiagudo? Uma caneta escreve cartas, traçam planos, desenha, informa, relata, descreve, opina, mas também fura, cutuca, prende, machuca... 

Continuei na estaca zero, já que QUASE todas as profissões utilizam a caneta em algum momento. A primeira tentativa de preceder o futuro dos meus filhos deixou-me sem resposta definida. Porém, abriu espaço para outra dúvida: e se essa escolha fosse apenas uma pista para mostrar que eles seriam pessoas apaixonadas pela expressão verbal escrita? Só o tempo me traria essa resposta um dia. Só me restava arquivar tal experiência e botar um ponto final nessa ansiedade antes que ela me escravizasse.

Três anos depois, um fato traz à tona minha curiosidade: Danilo encontra o relógio de pulso do pai e o observa atentamente. Fica intrigado com os movimentos dos ponteiros e com o barulhinho que ouve lá dentro. Abre, então, a caixa de ferramentas do pai, retira o martelo e o utiliza para quebrar o vidro do relógio. Quando ouvi as pancadas provindas lá do quarto, corri e me deparei com a cena. No primeiro momento, minha reação foi de surpresa e indignação e,  sem hesitar, questionei sua atitude e falei que não era certo estragar as coisas do pai. Ele me respondeu que fez aquilo porque queria ver como funcionava por dentro. Fiquei emocionada e sem palavras. Abracei o meu (talvez) futuro engenheiro.

As folhas dos anos mudavam de páginas de forma rápida e silenciosa...

Danilo antes de aprender a ler e escrever, gostava de desenhar e fazia isso muito bem. Seria um futuro desenhista, projetista, arquiteto, artista plástico? Também era dotado de talentos musicais: desde pequeno tinha muita habilidade em lidar com os brinquedos que reproduziam sons: pianinhos, violões, flautas; na adolescência continuava apaixonado pelos instrumentos musicais. Ganhou, então,  um violão da avó paterna e ingressou no curso para aperfeiçoamento. Depois, junto a outros amigos com gostos afins, formou um grupo de rock no qual ele era o guitarrista. Concomitante a esse gosto artístico, ele interessou-se também por artes marciais e estudou Kung Fu durante alguns anos, chegando à faixa preta. Com competências distintas: na arte, na música e na luta marcial, ficava difícil antecipar que caminho ele seguiria para definir o seu amanhã. Mas, pelo jeito, ele estava apenas exercitando alguns dos seus domínios, visto que, no Ensino Médio, optou pela eletrônica e seguiu uma linha paralela na faculdade: cursou engenharia elétrica e formou-se em 2010. Penso que agora o meu querido e dedicado engenheiro já deve ter descoberto como funciona o mecanismo interno de um relógio de pulso.

A Pequena Notável ou Grande Miúda, denominações que costumo definir a Patrícia, é dotada de uma sensibilidade aguçada e características peculiares que vão além do meu entendimento. Desde pequena demonstrou que era determinada e tinha personalidade marcante. Aprendeu a falar antes de completar um ano e adorava dialogar com outras pessoas, principalmente com os idosos. Quando eu percebia que ela não estava dentro de casa, sabia exatamente onde encontrá-la: na casa dos avós paternos conversando com eles e com uma outra senhora que morava junto (D. Cinira) ou com outros idosos que moravam vizinhos. Uma menina com ideias maduras encantam as pessoas. Tinha argumento para tudo e sabia defendê-los com  maestria impecável. Cheguei a pensar que seria uma advogada por gostar tanto de argumentar e defender o que considerava correto. Mas essa propriedade de escutar, compreender e de ajudar o outro com palavras não se limita a área do Direito, vai mais além. Um dia, quando questionada sobre sua profissão futura, ela afirmou que queria ser psicóloga.  De certa forma, isso justificava sua destreza com as palavras e a interação com as pessoas.

Na escola, as redações continham ideias maduras e bem fundamentadas e isso causava um transtorno em sala de aula porque a professora se recusava a dar nota, alegando que seria impossível uma criança de 8 a 10 anos possuir uma visão crítica naquele nível. Consciente de sua capacidade de expressão, minha pequena criança resolveu sozinha esse dilema: pediu que a professora selecionasse qualquer tema para uma produção textual que seria feita naquele momento e em sua frente e, assim, pôde provar do que era capaz. Desafios nunca assustaram essa menina corajosa com talentos especialmente voltados para a área de humanas.

Em casa, sempre antenada: Patrícia acompanhava as minhas correções de provas ou redações dos meus alunos e, de acordo com as  respectivas notas, disfarçadamente,  ela desenhava carinhas sérias, felizes ou tristes nas folhas deles. Isso causava reações adversas em sala de aula e eu tinha que me justificar perante eles. Eu teria em casa uma futura professora?  Quem sabe...

Ela cursou Ensino Médio tradicional e, ao mesmo tempo, fez curso técnico voltado para a área de edificações. Desenvolveu, a partir daí, um gosto pela arquitetura e urbanismo. Apaixonou-se, também, por projetos sociais ou associados ao meio ambiente e ecologia. Saiu de casa e foi fazer faculdade pública em outra cidade a quilômetros de distância durante cinco anos. Voltou formada a minha geógrafa. No início da carreira, chegou a lecionar durante um ano e meio, pois seu curso a habilitava tanto para a licenciatura quanto ao bacharelado. Na primeira oportunidade de exercer a segunda opção, ela não hesitou e largou as aulas para atuar como geógrafa em empresas. Foi convidada a trabalhar em outro estado (Pará) exercendo seus conhecimentos no estudo do ambiente para a construção de uma nova hidrelétrica no rio Xingu, em Altamira. Embora eu tenha ficado extremamente preocupada com essa viagem longa e a estadia durante vários meses, eu acatei a decisão dela e dei o apoio necessário. Quando terminou o trabalho lá, foi transferida para São Paulo e voltou a ficar perto de mim, o que me retomou o fôlego.

Reconheço que aquela caneta, que fora o objeto escolhido pelos meus dois filhos, não deixou de ser uma referência às suas formações profissionais: hoje, enquanto ele assina documentos, fecha contratos  e traça projetos para serem desenvolvidos; ela esquematiza mapas, estuda as condições e possibilidades ligadas à terra e,  nas horas vagas, discorre suas ideias  em verso ou prosa através da legítima veia poética que possui naturalmente...
       
(Zizi Cassemiro -  mãe do engenheiro Danilo e da geógrafa Patrícia; avó do Gabriel e do Johnny)

5 comentários:

  1. Que bom, que já está tudo definido na vida deles!! Parabéns pela vitória dos seus filhos! Tão bom saber que as dificuldades e preocupações já foram superadas! Tudo isso é motivo de comemoração!! Lindo o seu texto, como sempre cheio de carinho, emoção e deliciosamente caprichado!! Obrigada por nos proporcionar o prazer de mais um relato encantador!! Adoreeeei!!!

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    1. Quando olho para trás, nem parece que já foi tudo isso...passam rápido demais os anos e ainda vem que estamos nos relatos para não perder esses detalhes. Depois que postei o texto minha filha disse que faltou um item, ela havia comentado que tb queria ser cigana, eu acabei esquecendo e dava para fazer um paralelo com as múltiplas viagem que ela fez. Mas fica para a próxima, ou então eu altero o texto ....ainda não sei...
      Obrigada pelo delicioso comentário!

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  2. Seu texto me levou às lágrimas! Quisera eu ter o dom de escrever tão lindamente assim e com tantos detalhes a vida escolhida, um dia, pelo Miguel! E que eu me lembre de todo o percurso, de forma tão viva e emocionante como vc, em dose dupla! Que eu também possa acompanhar e apoiar meu filhote em todas as suas escolhas...

    Nunca tinha escutado falar sobre essa "pesquisa" com relação aos objetos preferidos... e do jeito que o Miguel é acho que pegaria todos eles ao mesmo tempo, elétrico que é, como eu! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Muito bom poder ver não só os filhos realizados, realizando, mas também já começar a observar os netos... as crias deles... histórias que vão magicamente puxando outras e outras e outras... e como adoro! Todas! Vc! Beijos mil.

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    1. Obrigada pelas doces palavras. Eu fiquei emocionada por ter feito vc se emocionar.
      Eu fico vasculhando a memória para não deixar de mencionar fatos relevantes, mas sempre fica algo para trás. Nesse, por exemplo, eu esqueci de um detalhe: minha filha tinha me dito que além de psicóloga, ela tb sonhava ser cigana. E como ela fez múltiplas viagens durante a faculdade e depois tb, não deixou de ser meio cigana pq até hj ela não para em nenhuma casa...vive pulando, já veio morar comigo e saiu várias vezes... Nossa memória traz os fatos aos bocados.
      Esse blog faz milagres! Registramos tudo o que lembramos aqui e eternizamos os fatos. Eu sofro um pouco mais pq os meus já são grandes, mas como sou corujona, lembro de muita coisa e quero contar, contar, contar. Tudo o que conto é real, gostaria de lembrar mais e mais....

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    2. Ahhh, Dequinha....quanto às escolhas dos objetos quando completam um aninho, foi minha mãe que dizia isso. Ela aprendeu com as outras pessoas, no Ceará. Achei isso tão interessante e nunca deixei de acreditar. Os objetos escolhidos acabam entrando na vida deles e fazendo a diferença...

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